(SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO)
A fuga das ocasiões de pecado um dos deveres mais grave da vida espiritual
I. Da obrigação de evitar as ocasiões perigosas
Um sem número de cristãos se perde por não
querer evitar as ocasiões de pecado. Quantas almas lá no inferno não se
lastimam e queixam: Infeliz de mim! Se tivesse evitado aquela ocasião, não
estaria agora condenado por toda a eternidade!
Falando aqui da ocasião de pecado, temos em vista a
ocasião próxima, pois deve-se distinguir entre ocasiões próximas e remotas.
Ocasião remota é a que se nos depara em toda a parte e que raramente arrasta o
homem ao pecado. Ocasião próxima é a que, por sua natureza, regularmente induz
ao pecado. Por exemplo, achar-se-ia em ocasião próxima um jovem que muitas
vezes e sem necessidade se entretêm com pessoas levianas de outro sexo. Ocasião
próxima para uma certa pessoa é também aquela que já a arrastou muitas vezes ao
pecado. Algumas ocasiões consideradas em si não são próximas, mas tornam-se
tais, contudo, para uma determinada pessoa que, achando-se em semelhantes
circunstâncias, já caiu muitas vezes em pecado em razão de suas más inclinações
e hábitos. Portanto, o perigo não é igual nem o mesmo para todos.
O Espírito Santo diz: “Quem ama o perigo
nele perecerá” (Ecli 3, 27). Segundo S. Tomás, a razão
disso é que Deus nos abandona no perigo quando a ele nos expomos
deliberadamente ou dele não nos afastamos. São Bernardino de Sena diz que
dentre todos os conselhos de Jesus Cristo, o mais importante e como que a base
de toda a religião, é aquele pelo qual nos recomenda a fuga da ocasião de
pecado.
Se fores, pois, tentado, e especialmente se te achares em
ocasião próxima, acautela-te para não te deixares seduzir pelo tentador. O
demônio deseja que se se entretenha com a tentação, porque então torna-se-lhe
fácil a vitória. Deves, porém, fugir sem demora, invocar os santos nomes de
Jesus e Maria, sem prestar atenção, nem sequer por um instante, ao inimigo que
te tenta. S. Pedro nos afirma que o demônio rodeia cada alma para ver se a pode
tragar: “Vosso adversário, o demônio, vos rodeia como um leão que ruge,
procurando a quem devorar” (I Ped 5, 8).
São Cipriano, explicando essas palavras, diz que o demônio espreita uma porta
por onde possa entrar na alma; logo que se oferece uma ocasião perigosa, diz
consigo mesmo: ‘eis a porta pela qual poderei entrar’, e imediatamente sugere a
tentação. Se então a alma se mostrar indolente para fugir da tentação, cairá
seguramente, em especial se se tratar de um pecado impuro. É a razão por que ao
demônio mais desagradam os propósitos de fugirmos das ocasiões de pecado, que
as promessas de nunca mais ofendermos a Deus, porque as ocasiões não evitadas
tornam-se como uma faixa que nos venda os olhos para não vermos as verdades
eternas, as ilustrações divinas e as promessas feitas a Deus.
Quem estiver, porém, enredado em pecado contra a
castidade, deverá, para o futuro, evitar não só a ocasião próxima, mas também a
remota, enquanto possível, porque em tal se sentirá muito fraco para resistir.
Não nos deixemos enganar pelo pretexto da ocasião ser necessária, como dizem os
teólogos, e que por isso não estamos obrigados a evitá-la, pois Jesus Cristo
disse: “Se teu olho direito te escandaliza, arranca-o e lança-o de ti” (Mt 5, 29). Mesmo que seja teu
olho direito deverás arrancá-lo e lançar fora de ti, para que não sejas
condenado. Logo, deves fugir daquela ocasião, ainda que remota, já que, em
razão de tua fraqueza, tornou-se ela uma ocasião próxima para ti.
Antes de tudo devemos estar convencidos que nós,
revestidos de carne, não podemos por própria força guardar a castidade; só
Deus, em Sua imensa bondade, nos poderá dar força para tanto.
É verdade que Deus atende a quem Lhe suplica, mas não
poderá atender à oração daquele que conscientemente se expõe ao perigo e não o
deixa, apesar de o conhecer, pois, como diz o Espírito Santo, quem ama o perigo
perecerá nele.
Ó Deus, quantos cristãos existem que, apesar de levarem
uma vida piedosa, caem finalmente e obstinam-se no pecado, só porque não querem
evitar a ocasião próxima do pecado impuro. Por isso nos aconselha S. Paulo (Fil
2, 12): “Com temor e tremor operai a vossa salvação”. Quem
não teme e ousa expor-se às ocasiões perigosas, principalmente quando se trata
do pecado impuro, dificilmente se salvará.
Como queremos salvar nossa alma, é nosso dever fugir da
ocasião do pecado. Principalmente devemos abster-nos de contemplar pessoas que
nos suscitam maus pensamentos. “Pelos olhos entra a seta do amor impuro e fere a
alma”, diz S. Bernardo (De modo bene viv., c. 23), e essa
seta, ferindo-a, tira-lhe a vida. O Espírito Santo dá-nos o conselho: “Desviai
vossos olhos de uma mulher adornada” (Ecli
9, 8).
Para se livrar de tentações impuras, um antigo filósofo
arrancou os olhos. Nós, cristãos, não podemos assim proceder, mas devemos
cegar-nos espiritualmente, desviando os olhos de objetos que
possam ocasionar-nos tentações. São Luís Gonzaga nunca olhava para uma mulher
e, mesmo em conversa com sua própria mãe, tinha os olhos postos no chão. É
claro que o mesmo perigo existe para mulheres que cravam seus olhares em homens.
Em segundo lugar, deve-se evitar todas as más companhias
e as conversas e entretenimentos em que se divertem homens e mulheres. Com os
santos te santificarás e com os perversos te perverterás. Anda com os bons e
tornar-te-ás bom, anda com os desonestos e tornar-te-ás desonesto.
O homem toma os hábitos daqueles que convivem com ele,
diz São Tomás de Aquino. Se estiveres metido numa conversação perigosa, que não
possas abandonar, segue o conselho do Espírito Santo: Cerca teus ouvidos de
espinhos para que os pensamentos impuros dos outros não achem neles entrada.
Quando São Bernardino de Sena, ainda pequeno, ouvia uma palavra desonesta,
sentia o rubor subir à sua face, e por isso seus companheiros tomavam cuidado
para não pronunciar tais palavras em sua presença. E Santo Estanislau Kostka
sentia tal asco ao ouvir tais palavras, que perdia os sentidos.
Quando ouvires alguém conversando sobre coisas impuras,
volta-lhe as costas e foge. Assim costumava proceder São Edmundo. Havendo uma
vez abandonado seus companheiros por estarem conversando sobre coisas
desonestas, encontrou-se com um jovem extraordinariamente belo, que lhe disse:
Deus te abençoe, caríssimo. Ao que o Santo perguntou, admirado: Quem és tu? Ele
respondeu: Olha para minha fronte e lerás meu nome. Edmundo levantou os olhos e
leu: Jesus Nazareno, Rei dos Judeus. Com isso Nosso Senhor desapareceu e o
Santo sentiu uma alegria celestial em seu coração.
Achando-te em companhia de rapazes que conversam sobre
coisas desonestas e, não podendo retirar-te, não lhes dês atenção, volta-lhes o
rosto e dá-lhes a conhecer que tais conversas te desagradam.
Deves também abster-te de considerar quadros menos
decentes. São Carlos Borromeu proibiu a todos os pais de família conservarem
tais quadros em suas casas. Deves igualmente evitar a leitura de maus livros,
revistas e jornais, e não só dos que tratam ostensivamente de coisas imorais, como
também dos que tratam de histórias insinuantes, como certos poetas e
romancistas.
Vós, pais de famílias, proibi a vossos filhos a leitura
de romances: estes causam muitas vezes maiores danos que os livros propriamente
imorais, porque deixam nos corações dos jovens certas más impressões que lhes
roubam a devoção e os induzem ao pecado. São Boaventura diz (De
inst. nov., p. 1 , c. 14): “Leituras vãs produzem pensamentos vãos e destroem
a devoção”. Dai a vossos filhos livros espirituais, como a
história eclesiástica, ou vidas de santos e semelhantes.
Proibi a vossos filhos representar um papel qualquer em
comédia inconveniente e mesmo a assistência a representações imorais. “Quem
foi casto para o teatro, de lá volta manchado”, diz São
Cipriano. Se para lá se dirigiu aquele jovem ou aquela donzela, em estado de
graça, de lá voltam ambos em estado de pecado. Proibi também a vossos filhos a
ida a certas festas, que são festas do demônio, nas quais há danças, namoros,
canções impudicas, gracejos e divertimentos perigosos. Onde
há danças, celebra-se uma festa do demônio, diz Santo Efrém.
Mas que há de ruim quando se graceja?, dirá alguém. Esses
tais gracejos não são gracejos, mas crimes, responde São João Crisóstomo, são
graves ofensas contra Deus. Um companheiro do padre João Vitellio, contra a
vontade deste servo de Deus, se dirigiu uma vez para um tal divertimento em
Nórcia. Que lhe aconteceu? Perdeu primeiramente a graça de Deus, entregou-se em
seguida a uma vida desregrada e foi finalmente assassinado por seu próprio
irmão.
Poderás aqui perguntar-me se é pecado mortal namorar.
Responderei a essa pergunta na segunda parte, c. 6, § IV. Aqui só direi que
tais namoros tornam-se ocasião próxima do pecado. A experiência ensina que em tais
casos só poucos deixam de pecar. Se não pecam já no começo, caem no decorrer do
tempo. No princípio se entretêm só por mútua inclinação; esta torna-se, porém,
em breve, paixão, e a paixão, uma vez arraigada, cega o espírito e arrasta a
muitos pecados de pensamentos, palavras e obras.
III. Fúteis objeções contra as sobreditas verdades
Objetar-me-ás: Mudei duma vez de vida; não tenho nenhuma
má intenção, nem mesmo uma tentação quando vou visitar fulana ou sicrana.
Respondo: Conta-se que há uma espécie de ursos que caçam macacos: ao avistar o
urso, fogem estes para as árvores. Mas que faz o urso? Deita-se debaixo da
árvore e faz-se de morto. Descem os macacos com esse engano e então, de um
salto, captura-os e devora-os. É o que pratica o demônio: representa a tentação
como morta, e assim que desceres, isto é, logo que te expuseres ao perigo,
desperta-a de novo, e ela te tragará. Oh! Quantos cristãos, que se davam ao exercício da
oração e da comunhão e, mesmo, levavam uma vida santa, não caíram nas garras do
demônio, porque se expuseram ao perigo.
A história eclesiástica narra que uma mulher mui piedosa
se ocupava em obras de caridade e, em especial, em enterrar os corpos dos
Santos Mártires. Encontrando uma vez o corpo de um mártir que ainda dava sinais
de vida, levou-o para sua casa, curou-o e o mártir restabeleceu-se. Mas que
aconteceu? Por causa da ocasião próxima, esses dois santos – pois esse nome
mereciam – primeiramente perderam a graça de Deus e depois a Fé.
Mas a visita àquela casa, a continuação daquela amizade,
me traz proveitos, dizes. Sim, porém, se notares que “aquela casa é o caminho
para o inferno” (Prov 7, 27), nenhum proveito te trará,
e tu a deves deixar se desejas ser feliz. Mesmo que fosse teu olho direito a
causa da perdição, deverias arrancá-lo e lançá-lo longe de ti, diz o Senhor.
Nota as palavras: lança-o de ti, não deves deixá-lo perto, mas repeli-lo para
longe, isto é, deves evitar por completo a ocasião. – Mas daquela pessoa nada
tenho a temer, pois ela é tão devota – dizes. A isso responde São Francisco de
Assis: O demônio tenta diferentemente os cristãos piedosos que se deram
inteiramente a Deus e os que levam uma vida desregrada. Ele não procura
prendê-los com uma corda já no princípio; contenta-se com um cabelo,
servindo-se então de um fio e, finalmente, de uma corda, arrastando-os ao
pecado.
Quem quiser ser
preservado deste perigo deve já no começo evitar todos os fios, todas as
ocasiões, quer sejam saudações, quer presentes.
Ainda uma observação importante: Um
penitente que nunca evitou seriamente as ocasiões perigosas, nas quais tem
regularmente caído em pecado mortal, apesar de todas as suas confissões, deverá
fazer uma confissão geral, visto terem sido inválidas as confissões feitas em
tal estado, em razão da falta de propósito de evitar a ocasião próxima. O mesmo
se deve dizer a respeito dos que confessam seus pecados, mas nunca deram sinal
de emenda, continuando logo depois da confissão a cometer os mesmos pecados,
sem empregar nenhum meio contra a queda. Só uma confissão geral poderá
trazer-lhes garantia e tranqüilidade, servindo de base para uma verdadeira
emenda; feita a confissão, poderão encetar uma vida nova e perfeita, pois os
maiores pecadores, como acima provamos, poderão, com a graça de Deus, alcançar
a perfeição.”
(Santo Afonso Maria de Ligório, Escola
da Perfeição Cristã, Compilação de textos do Santo Doutor pelo
padre Saint-Omer, CSSR, IV Edição, Editora Vozes, Petrópolis: 1955, páginas
44-48)
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