CARTA
ENCÍCLICAAD
CAELI REGINAM
DO SUMO PONTÍFICEPAPA PIO XIIAOS VENERÁVEIS IRMÃOS
PATRIARCAS, PRIMAZES,
ARCEBISPOS E BISPOS
E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO
COM A SÉ APOSTÓLICA
DO SUMO PONTÍFICEPAPA PIO XIIAOS VENERÁVEIS IRMÃOS
PATRIARCAS, PRIMAZES,
ARCEBISPOS E BISPOS
E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO
COM A SÉ APOSTÓLICA
SOBRE
A REALEZA DE MARIA
E A INSTITUIÇÃO DA SUA FESTA
E A INSTITUIÇÃO DA SUA FESTA
INTRODUÇÃO
1. Desde
os primeiros séculos da Igreja católica, elevou o povo cristão
orações e cânticos de louvor e de devoção à Rainha do céu
tanto nos momentos de alegria, como sobretudo quando se via ameaçado
por graves perigos; e nunca foi frustrada a esperança posta na Mãe
do Rei divino, Jesus Cristo, nem se enfraqueceu a fé, que nos ensina
reinar com materno coração no universo inteiro a Virgem Maria, Mãe
de Deus, assim como está coroada de glória na bem-aventurança
celeste.
2. Ora,
depois das grandes calamidades que, mesmo à nossa vista, destruíram
horrivelmente florescentes cidades, vilas e aldeias; diante do
doloroso espetáculo de tantos e tão grandes males morais, que
transbordam em temeroso aluvião; quando vacila às vezes a justiça
e triunfa com freqüência a corrupção; neste incerto e temeroso
estado de coisas, sentimos nós a maior dor; mas ao mesmo tempo
recorremos confiantes à nossa rainha, Maria santíssima, e
patenteamos-lhe não só os nossos devotos sentimentos mas também os
de todos os fiéis cristãos.
3. É grato e útil recordar que nós próprios – no dia 1° de
novembro do ano santo de 1950, diante de grande multidão formada de
cardeais, bispos, sacerdotes e simples cristãos, vindos de toda a
parte do mundo – definimos o dogma da assunção da bem-aventurada
virgem Maria ao céu(1),
a qual presente em alma e corpo, reina entre os coros dos anjos e
santos, juntamente com o seu unigênito Filho. Além disso –
ocorrendo o primeiro centenário da definição dogmática do nosso
predecessor de imortal memória Pio IX, que proclamou ter sido a Mãe
de Deus concebida sem qualquer mancha do pecado original –
promulgamos,(2)
com grande alegria do nosso coração paterno, o presente ano
mariano; e vemos com satisfação que não só nesta augusta cidade –
especialmente na Basílica Liberiana, onde inumeráveis multidões
vão testemunhando bem claramente a sua fé e ardente amor a Mãe do
céu – mas em todas as partes do mundo a devoção à virgem Mãe
de Deus refloresce cada vez mais, ocorrendo grandes peregrinações
aos principais santuários de Maria.
4. Todos sabem que nós, na medida do possível – quando em
audiências falamos aos nossos filhos, ou quando, por meio das ondas
radiofônicas, dirigimos mensagens ao longe – não deixamos de
recomendar, a quantos nos ouviam que amassem, com amor terno e
filial, tão boa e poderosa Mãe. A esse propósito, recordamos em
especial a radiomensagem que endereçamos ao povo português, por
motivo da coroação da prodigiosa imagem de nossa Senhora de Fátima
(3),
que chamamos radiomensagem da "realeza" de Maria.(4)
5.
Portanto, como coroamento de tantos testemunhos deste nosso amor
filial, a que o povo cristão correspondeu com tanto ardor, para
encerrar com alegria e fruto o ano mariano que se aproxima do fim, e
para satisfazer aos insistentes pedidos, que nos chegaram de toda a
parte, resolvemos instituir a festa litúrgica da bem-aventurada
rainha virgem Maria.
6. Não é
verdade nova que propomos à crença do povo cristão, porque o
fundamento e as razões da dignidade régia de Maria encontram-se bem
expressos em todas as idades, e constam dos documentos antigos da
Igreja e dos livros da sagrada liturgia.
7.
Queremos recordá-los na presente encíclica, para renovar os
louvores da nossa Mãe do céu e avivar proveitosamente na alma de
todos a devoção para com ela.
I
A REALEZA DE MARIA NOS TEXTOS DA TRADIÇÃO...
A REALEZA DE MARIA NOS TEXTOS DA TRADIÇÃO...
8. Com razão acreditou sempre o povo fiel, já nos séculos
passados, que a mulher, de quem nasceu o Filho do Altíssimo – o
qual "reinará eternamente na casa de Jacó"(5),
(será) "Príncipe da Paz"(6)
, "Rei dos Reis e Senhor dos senhores"(7)-,
recebeu mais que todas as outras criaturas singulares privilégios de
graça. E considerando que há estreita relação entre uma mãe e o
seu filho, sem dificuldade reconheceu na Mãe de Deus a dignidade
real sobre todas as coisas.
9. Assim, baseando-se nas palavras do arcanjo Gabriel, que predisse o
reino eterno do Filho de Maria,(8)
e nas de Isabel, que se inclinou diante dela e a saudou como "Mãe
do meu Senhor",(9)
compreende-se que já os antigos escritores eclesiásticos chamassem
a Maria "mãe do Rei" e "Mãe do Senhor", dando
claramente a entender que da realeza do Filho derivara para a Mãe
certa elevação e preeminência.
10. Santo Efrém, com grande inspiração poética, põe estas
palavras na boca de Maria: "Erga-me o firmamento nos seus
braços, porque eu estou mais honrada do que ele. O céu não foi tua
mãe, e fizeste dele teu trono. Ora, quanto mais se deve honrar e
venerar a mãe do Rei, do que o seu trono!"(10)
Em outro passo, assim invoca a Maria santíssima: "...Virgem
augusta e protetora, rainha e senhora, protege-me à tua sombra,
guarda-me, para que Satanás, que semeia ruínas, não me ataque, nem
triunfe de mim o iníquo adversário".(11)
11. A Maria chama s. Gregório Nazianzeno "Mãe do Rei de todo o
universo", "Mãe virgem, [que] deu à luz o Rei do todo o
mundo".(12)
Prudêncio diz que a Mãe se maravilha "de ter gerado a Deus não
só como homem mas também como sumo rei".(13)
12. E
afirmam claramente a dignidade real de Maria aqueles que a chamam
"senhora", "dominadora" e "rainha".
13. Já numa homilia atribuída a Orígenes, Maria é chamada por
Isabel não só "Mãe do meu Senhor" mas também "Tu,
minha Senhora".(14)
14. O mesmo conceito se pode deduzir dum texto de s. Jerônimo, que
expõe o próprio parecer acerca das várias interpretações do nome
de Maria: "Saiba-se que Maria, na língua siríaca, significa
Senhora".(15)
Igualmente e com mais decisão, se exprime depois s. Pedro Crisólogo:
"O nome hebraico Maria traduz-se por "Domina" em
latim: "portanto o anjo chama-lhe Senhora para livrar do temor
de escrava a mãe do Dominador, a qual nasce e se chama Senhora pelo
poder do Filho".(16)
15. Santo Epifânio, bispo de Constantinopla, escreve ao papa
Hormisdas pedindo a conservação da unidade da Igreja "mediante
a graça da Trindade una e santa e por intercessão de nossa Senhora,
a santa e gloriosa virgem Maria, Mãe de Deus".(17)
16. Um autor do mesmo tempo dirige-se a Maria santíssima, sentada à
direita de Deus, invocando-a solenemente como "Senhora dos
mortais, santíssima Mãe de Deus".(18)
17. Santo André Cretense atribui muitas vezes a dignidade real à
virgem Maria; escreve, por exemplo: "Leva [Jesus Cristo] neste
dia da morada terrestre [para o céu], como rainha do gênero humano,
a sua Mãe sempre virgem, em cujo seio, permanecendo Deus, tomou a
carne humana".(19)
E noutro lugar: "Rainha de todo o gênero humano, porque, fiel à
significação do seu nome, se encontra acima de tudo quanto não é
Deus".(20)
18. Do mesmo modo se dirige s. Germano à humildade da Virgem:
"Senta-te, ó Senhora; sendo tu Rainha e mais eminente que todos
os reis, pertence-te estar sentada no lugar mais nobre"(21);
e chama-lhe: "Senhora de todos aqueles que habitam a terra".(22)
19. São João Damasceno proclama-a "rainha, protetora e
senhora"(23)
e também: "senhora de todas as criaturas"(24);
e um antigo escritor da Igreja ocidental chama-lhe: "ditosa
rainha", "rainha eterna junto do Filho Rei", e diz que
ela tem a "nívea cabeça ornada com um diadema de ouro".(25)
20. Finalmente, s. Ildefonso de Toledo resume-lhe quase todos os
títulos de honra nesta saudação: "Ó minha senhora, minha
dominadora: tu dominas em mim, ó mãe do meu Senhor... Senhora entre
as escravas, rainha entre as irmãs".(26)
21.
Recolhendo a lição desses e outros inumeráveis testemunhos
antigos, chamaram os teólogos a santíssima Virgem, rainha de todas
as coisas criadas, rainha do mundo e senhora do universo.
22. Por sua vez, os sumos pastores da Igreja julgavam obrigação sua
aprovar e promover a devoção à celeste Mãe e Rainha com exortação
e louvores. Pondo de parte os documentos dos papas recentes,
recordamos que já no século VII o nosso predecessor s. Martinho I
chamou a Maria "gloriosa Senhora nossa, sempre virgem";(27)
s. Agatão, na carta sinodal enviada aos padres do sexto concílio
ecumênico, chamou-a "Senhora nossa, verdadeiramente e com
propriedade Mãe de Deus";(28)
e no século VIII, Gregório II, em carta ao patriarca s. Germano,
que foi lida entre as aclamações dos padres do sétimo concílio
ecumênico, proclamava Maria "Senhora de todos e verdadeira Mãe
de Deus" e "Senhora de todos os cristãos".(29)
23. Apraz-nos recordar também que o nosso predecessor de imortal
memória Sixto IV, querendo favorecer a doutrina da imaculada
conceição da santíssima Virgem, começa a carta apostólica Cum
praeexcelsa (30)
chamando precisamente a Maria "rainha sempre vigilante, a
interceder junto ao Rei, que ela gerou". Do mesmo modo Bento
XIV, na carta apostólica Gloriosae Dominae (31),
chama a Maria "rainha do céu e da terra", afirmando que o
sumo Rei lhe contou, em certo modo, o seu próprio império.
24. Por isso, s. Afonso de Ligório, tendo presente todos os
testemunhos dos séculos precedentes, pôde escrever com a maior
devoção: "Porque a virgem Maria foi elevada até ser Mãe do
Rei dos reis, com justa razão a distingue a Igreja com o título de
Rainha".(32)
II
NA LITURGIA E NA ARTE
NA LITURGIA E NA ARTE
25. A
sagrada liturgia, espelho fel da doutrina transmitida pelos santos
padres e da crença do povo cristão, cantou por todo o decurso dos
séculos e canta ainda sem cessar, tanto no oriente como no ocidente,
as glórias da celestial Rainha.
26. Vozes entusiásticas ressoam do oriente: "Ó Mãe de Deus,
hoje és transferida para o céu sobre os carros dos querubins, os
serafins estão às tuas ordens, e os exércitos da milícia celeste
prostram-se diante de ti".(33)
27. E mais ainda: "Ó justo, felicíssimo [José], pela tua
origem real foste escolhido entre todos para esposo da Rainha
imaculada, que dará à luz de modo inefável a Jesus Rei".(34)
E depois: "Vou elevar um hino à rainha e Mãe de quem, ao
celebrar, me aproximarei com alegria, para cantar com exultação
alegremente as suas glórias... Ó Senhora, nossa língua não te
pode louvar dignamente, porque tu, que deste à luz a Cristo nosso
Rei, foste exaltada acima dos serafins... Salve, rainha do mundo,
salve, ó Maria, senhora de todos nós".(35)
28. Lê-se no Missal etíope: "Ó Maria, centro do mundo
todo,... Tu és maior que os querubins de olhar penetrante, e que os
serafins de seis asas... O céu e a terra estão cheios da santidade
da tua glória".(36)
29. O mesmo canta a liturgia da Igreja latina com a antiga e
dulcíssima oração "Salve, rainha", as alegres antífonas
"Ave, ó rainha dos céus", "Rainha do céu,
alegrai-vos, aleluia", e outras que se costumam rezar em várias
festas de nossa Senhora: "Colocou-se como rainha à tua direita,
com vestido dourado e circundada de vários ornamentos"(37);
"A terra e o povo cantam o teu poder, ó rainha"(38);
"Hoje a virgem Maria sobe ao céu: alegrai-vos, porque reina com
Cristo para sempre".(39)
30. A esse
e outros cânticos devem juntar-se as Ladainhas lauretanas, que levam
o povo cristão a invocar todos os dias nossa Senhora como rainha; e
no santo rosário, que se pode chamar coroa mística da celeste
rainha, já há muitos séculos os fiéis contemplam, do quinto
mistério glorioso, o reino de Maria, que abraça o céu e a terra.
31.
Finalmente a arte cristã, intérprete natural da espontânea e pura
devoção do povo, desde o concílio de Éfeso que representa Maria
como rainha e imperatriz, sentada num trono e adornada com as
insígnias reais, de coroa na cabeça, rodeada da corte dos anjos e
santos, como quem domina não só as forças da natureza, mas também
os malignos assaltos de Satanás. A iconografia da virgem Maria como
rainha enriqueceu-se em todos os séculos com obras de arte de alto
mérito, chegando até a figurar o divino Redentor no ato de cingir
com brilhante coroa a cabeça da própria Mãe.
32. Os
pontífices romanos não deixaram de favorecer esta devoção
coroando pessoalmente ou por meio de legados as imagens da virgem Mãe
de Deus, que eram objeto de especial veneração.
III
OS ARGUMENTOS TEOLÓGICOS
OS ARGUMENTOS TEOLÓGICOS
A
maternidade divina de Maria
33. Como acima apontamos, veneráveis irmãos, segundo a tradição e
a sagrada liturgia, o principal argumento em que se funda a dignidade
régia de Maria é sem dúvida a maternidade divina. Na verdade, do
Filho que será dado à luz pela Virgem, afirma-se na Sagrada
Escritura: "chamar-se-á Filho do Altíssimo e o Senhor Deus
dar-lhe-á o trono de Davi, seu pai; reinará na casa de Jacó
eternamente, e o seu reino não terá fim"(40);
ao mesmo tempo que Maria é proclamada "a Mãe do Senhor".(41)
Daqui se segue logicamente que Maria é rainha, por ter dado a vida a
um Filho, que no próprio instante da sua concepção, mesmo como
homem, era rei e senhor de todas as coisas, pela união hipostática
da natureza humana com o Verbo. Por isso muito bem escreveu s. João
Damasceno: "Tornou-se verdadeiramente senhora de toda a criação,
no momento em que se tornou Mãe do Criador".(42)
E assim o arcanjo Gabriel pode ser chamado o primeiro arauto da
dignidade real de Maria.
34. Contudo, nossa Senhora deve proclamar-se Rainha, não só pela
sua maternidade divina, mas ainda pela parte singular que Deus queria
ter na obra da salvação. "Que pode haver – escrevia nosso
predecessor de feliz memória, Pio XI – mais doce e suave do que
pensar que Cristo é nosso Rei, não só por direito de natureza, mas
ainda por direito adquirido, isto é, pela redenção? Repensem todos
os homens, esquecidos do quanto custamos ao nosso Redentor e recordem
todos: 'Não fostes remidos com ouro ou prata, bens corruptíveis...,
mas pelo precioso sangue de Cristo, cordeiro imaculado e
incontaminado'.(43)
'Não pertencemos portanto a nós mesmos, pois Cristo 'a alto
preço',(44)
'nos comprou'.(45)
Sua
cooperação na redenção
35. Ora, ao realizar-se a obra da redenção, Maria santíssima foi
intimamente associada a Cristo, e por isso justamente se canta na
sagrada liturgia: "Santa Maria, rainha do céu e senhora do
mundo, estava traspassada de dor, ao pé da cruz de nosso Senhor
Jesus Cristo".(46)
E um piedosíssimo discípulo de s. Anselmo podia escrever na Idade
Média: "Como... Deus, criando todas as coisas pelo seu poder, é
Pai e Senhor de tudo, assim Maria, reparando todas as coisas com os
seus méritos, é mãe e senhora de tudo: Deus é senhor de todas as
coisas, constituindo cada uma delas na sua própria natureza pela voz
do seu poder, e Maria é Senhora de todas as coisas,
reconstituindo-as na sua dignidade primitiva pela graça, que lhes
mereceu".(47)
De fato "como Cristo, pelo título particular da redenção, é
nosso senhor e nosso rei, assim a bem-aventurada Virgem [é senhora
nossa] pelo singular concurso, prestado à nossa redenção,
subministrando a sua substância e oferecendo voluntariamente por nós
o Filho Jesus, desejando, pedindo e procurando de modo singular a
nossa salvação".(48)
36. Dessas premissas se pode argumentar: Se Maria, na obra da
salvação espiritual, foi associada por vontade de Deus a Jesus
Cristo, princípio de salvação, e o foi quase como Eva foi
associada a Adão, princípio de morte, podendo-se afirmar que a
nossa redenção se realizou segundo uma certa "recapitulação",(49)
pela qual o gênero humano, sujeito à morte por causa duma virgem,
salva-se também por meio duma virgem; se, além disso, pode-se dizer
igualmente que esta gloriosíssima Senhora foi escolhida para Mãe de
Cristo "para lhe ser associada na redenção do gênero
humano",(50)
e se realmente "foi ela que – isenta de qualquer culpa pessoal
ou hereditária, e sempre estreitamente unida a seu Filho – o
ofereceu no Gólgota ao eterno Pai, sacrificando juntamente, qual
nova Eva, os direitos e o amor de mãe em benefício de toda a
posteridade de Adão, manchada pela sua desventurada queda"(51)
poder-se-á legitimamente concluir que, assim como Cristo, o novo
Adão, deve-se chamar rei não só porque é Filho de Deus mas também
porque é nosso redentor, assim, segundo certa analogia, pode-se
afirmar também que a bem-aventurada virgem Maria é rainha, não só
porque é Mãe de Deus mas ainda porque, como nova Eva, foi associada
ao novo Adão.
Sua
sublime dignidade
37. E
certo que no sentido pleno, próprio e absoluto, somente Jesus
Cristo, Deus e homem, é rei; mas também Maria – de maneira
limitada e analógica, como Mãe de Cristo-Deus e como associada à
obra do divino Redentor, à sua luta contra os inimigos e ao triunfo
deles obtido participa da dignidade real. De fato, dessa união com
Cristo-Rei deriva para ela tão esplendente sublimidade, que supera a
excelência de todas as coisas criadas: dessa mesma união com Cristo
nasce aquele poder real, pelo qual ela pode dispensar os tesouros do
reino do Redentor divino; finalmente, da mesma união com Cristo se
origina a inexaurível eficácia da sua intercessão junto do Filho e
do Pai.
38. Portanto, não há dúvida alguma que Maria santíssima se
avantaja em dignidade a todas as coisas criadas e tem sobre todas o
primado, a seguir ao seu Filho. "Tu finalmente, canta s.
Sofrônio, superaste em muito todas as criaturas... Que poderá
existir mais sublime que tal alegria, ó Virgem Mãe? Que pode
existir mais elevado que tal graça, a qual por divina vontade só tu
tiveste em sorte?"(52)
"A esses louvores acrescenta s. Germano: "A tua honra e
dignidade colocam-te acima de toda a criação: a tua sublimidade
faz-te superior aos anjos".(53)
João Damasceno chega a escrever o seguinte: "É infinita a
diferença entre os servos de Deus e a sua Mãe".(54)
39. Para melhor compreendermos a sublime dignidade, que a Mãe de
Deus atingiu acima de todas as criaturas, podemos considerar que a
santíssima Virgem, desde o primeiro instante da sua conceição, foi
enriquecida de tal abundância de graças, que supera a graça de
todos os santos. Por isso, como escreveu na carta apostólica
Ineffabilis Deus o nosso predecessor, de feliz memória, Pio
IX, Deus "fez a maravilha de a enriquecer, acima de todos os
anjos e santos, de tal abundância de todas as graças celestiais
hauridas dos tesouros da divindade, que ela – imune de toda a
mancha do pecado, e toda bela apresenta tal plenitude de inocência e
santidade, que não se pode conceber maior abaixo de Deus, nem
ninguém a pode compreender plenamente senão Deus".(55)
Com
Cristo, ela reina nas mentes e vontades dos homens
40. Nem a bem-aventurada virgem Maria teve apenas, ao seguir a
Cristo, o supremo grau de excelência e perfeição, mas também
participou ainda daquela eficácia pela qual justamente se afirma que
o seu divino Filho e nosso Redentor reina na mente e na vontade dos
homens. Se, de fato, o Verbo de Deus opera milagres e infunde a graça
por meio da humanidade que assumiu – e se utiliza dos sacramentos e
dos seus santos, como instrumentos, para salvar as almas; por que não
há de servir-se do múnus e ação de sua Mãe santíssima para nos
distribuir os frutos da redenção? "Com ânimo verdadeiramente
materno para conosco – como diz o mesmo predecessor nosso, de feliz
memória, Pio IX – e ocupando-se da nossa salvação, ela, que pelo
Senhor foi constituída rainha do céu e da terra, toma cuidado de
todo o gênero humano, e – tendo sido exaltada sobre todos os coros
dos anjos e as hierarquias dos santos do céu, e estando à direita
do seu unigênito Filho, Jesus Cristo, nosso Senhor – com as suas
súplicas maternas impetra com eficácia, obtém quanto pede, nem
pode deixar de ser ouvida".(56)
A esse propósito, outro nosso predecessor, de feliz memória, Leão
XIII, declarou que foi concedido à bem-aventurada virgem Maria um
poder "quase ilimitado"(57)
na distribuição das graças; s. Pio X acrescenta que Maria
desempenha esta missão "como por direito materno".(58)
Duplo
erro a ser evitado
41.
Gloriem-se, portanto, todos os féis cristãos de estar submetidos ao
império da virgem Mãe de Deus, que tem poder régio e se abrasa de
amor materno.
42. Porém, nessas e noutras questões que dizem respeito à
bem-aventurada virgem Maria, procurem os teólogos e pregadores
evitar certos desvios, para não caírem em duplo erro: acautelem-se
de opiniões sem fundamento e que ultrapassam com exageros os limites
da verdade; e evitem, por outro lado, a excessiva estreiteza ao
considerarem a singular, sublime, e mesmo quase divina dignidade da
Mãe de Deus, que o doutor angélico nos ensina a atribuir-lhe "em
razão do bem infinito, que é Deus".(59)
43. Mas, nesse, como em todos os outros capítulos da doutrina
cristã, "a norma próxima e universal" é para todos o
magistério vivo da Igreja, instituído por Cristo "também para
esclarecer e explicar aquelas coisas que só de modo obscuro e como
que implícito estão contidas no depósito da fé".(6)
IV
A FESTA DE MARIA RAINHA
A FESTA DE MARIA RAINHA
44. Dos testemunhos da antiguidade cristã, das orações da
liturgia, da inata devoção do povo cristão, das obras artísticas,
de toda a parte recolhemos expressões que nos mostram que a virgem
Mãe de Deus se distingue pela sua dignidade real; mostramos também
que as razões, deduzidas pela sagrada teologia do tesouro da fé
divina, confirmam plenamente essa verdade. De tantos testemunhos
referidos forma-se uma espécie de concerto harmonioso que exalta a
incomparável dignidade real da Mãe de Deus e dos homens, a qual
domina todas as coisas criadas e foi elevada aos reinos celestes,
acima dos coros dos anjos".(61)
45. Depois
de atentas e ponderadas reflexões, tendo chegado à convicção de
que seriam grandes as vantagens para a Igreja, se essa verdade
solidamente demonstrada resplandecesse com maior evidência diante de
todos como luz que brilha mais, quando posta no candelabro, – com a
nossa autoridade apostólica decretamos e instituímos a festa de
Maria rainha, para ser celebrada cada ano em todo o mundo no dia 31
de maio. Ordenamos igualmente que no mesmo dia se renove a
consagração do gênero humano ao seu coração imaculado. Tudo isso
nos incute grande esperança de que há de surgir nova era, iluminada
pela paz cristã e pelo triunfo da religião.
Exortação
à devoção mariana
46.
Procurem pois todos, e agora com mais confiança, aproximar-se do
trono da misericórdia e da graça, para pedir à nossa Rainha e Mãe
socorro na adversidade, luz nas trevas, conforto na dor e no pranto;
e, o que é mais, esforcem-se por se libertar da escravidão do
pecado, e prestem ao cetro régio de tão poderosa Mãe a homenagem
duradoura da devoção dial. Freqüentem as multidões de fiéis os
seus templos e celebrem-lhe as festas; ande nas mãos de todos a
piedosa coroa do terço; e reúna a recitação dele – nas igrejas,
nas casas, nos hospitais e nas prisões – ora pequenos grupos, ora
grandes assembléias, para cantarem as glórias de Maria. Honra-se o
mais possível o seu nome, mais doce do que o néctar e mais valioso
que toda a pedra preciosa; ninguém ouse o que seria prova de alma
vil – pronunciar ímpias blasfêmias contra este nome santíssimo,
ornado de tanta majestade e venerável pelo carinho próprio de mãe;
nem se atreva ninguém a dizer nada que seja irreverente.
47. Com
vivo e diligente cuidado todos se esforcem por copiar nos sentimentos
e nos atos, segundo a própria condição, as altas virtudes da
Rainha do céu e nossa Mãe amantíssima. Donde resultará que os
féis, venerando e imitando tão grande Rainha e Mãe, virão se
sentir verdadeiros irmãos entre si, desprezarão a inveja e a cobiça
das riquezas, e hão de promover a caridade social, respeitar os
direitos dos fracos e fomentar a paz. Nem presuma alguém ser filho
de Maria, digno de se acolher à sua poderosíssima proteção, se à
exemplo dela não é justo, manso e casto, e não mostra verdadeira
fraternidade, evitando ferir e prejudicar, e procurando socorrer e
dar ânimo.
A
Igreja do silêncio
48. Em
algumas regiões da terra, não falta quem seja injustamente
perseguido por causa do nome cristão e se veja privado dos direitos
divinos e humanos da liberdade. Para afastar tais males, nada
conseguiram até hoje justificados pedidos e reiterados protestos. A
esses filhos inocentes e atormentados volva os seus olhos de
misericórdia, cuja luz dissipa nuvens e serena tempestades, a
poderosa Senhora dos acontecimentos e dos tempos, que sabe vencer a
maldade com o seu pé virginal. Conceda-lhes poderem em breve gozar a
devida liberdade e cumprir publicamente os deveres religiosos. E,
servindo a causa do Evangelho – com o seu esforço concorde e
egrégias virtudes, de que no meio de tantas dificuldades dão
exemplo – concorram para o fortalecimento e progresso das
sociedades terrestres.
Maria,
Rainha e Medianeira da paz
49. A festa – instituída pela presente carta encíclica, a fim de
que todos reconheçam mais claramente e melhor honrem o clemente e
materno império da Mãe de Deus pensamos que poderá contribuir para
que se conserve, consolide e torne perene a paz dos povos, ameaçada
quase todos os dias por acontecimentos que enchem de ansiedade. Não
é ela acaso o arco-íris que se eleva para Deus, como sinal de
pacífica aliança?(62)
"Contempla o arco-íris e bendize aquele que o fez; é muito
belo no seu esplendor; abraça o céu na sua órbita radiosa, e foram
as mãos do Altíssimo que o traçaram".(63)
Todo aquele que honra a Senhora dos anjos e dos homens – e ninguém
se julgue isento deste tributo de reconhecimento e amor – invoque
esta rainha, medianeira da paz; respeite e defenda a paz, que não é
maldade impune nem liberdade desenfreada, mas concórdia bem ordenada
sob o signo e comando da divina vontade: tendem a protegê-la e
aumentá-la as maternas exortações e ordens de Maria.
50.
Desejando ardentemente que a Rainha e Mãe do povo cristão acolha
estes nossos votos, alegre com a sua paz as terras sacudidas pelo
ódio, e a todos nós, depois deste exílio, mostre a Jesus, que será
na eternidade a nossa paz e alegria; a vós, veneráveis irmãos, e
aos vossos rebanhos, concedemos de todo o coração a bênção
apostólica, como penhor do auxílio de Deus onipotente e testemunho
do nosso paternal afeto.
Dado
em Roma, junto de São Pedro, na festa da maternidade de Nossa
Senhora, no dia 11 de outubro do ano de 1954, XVI do nosso
pontificado.
PIO
PP. XII
Notas
(11)
Idem, Oratio
and Ss.mam Dei Matrem; Opera omnia,
Ed. Assemani, t. III (graece), Romae,1747, p. 546.
(14)
Hom. ins.
Lucam, hom.
VII; ed. Rauer, Origenes
Werke, t.
IX, p. 48 (ex catem Macarii Chrysocephali). Cf. PG 13,1902 D.
(16)
S. Pedro Chrisólogo, Sermo
142, De Annuntiatlone B.M.V.:
PL
52, 579 C; cf. também 582B; 584A: "Regina totius exstitit
castitatis".
(33)
Da liturgia dos Armenos: na festa da Assunção, hino do Matutino.
(38)
Festa da Assunção; hino ad Laudes.
(39)
Ibidem, ao Magnificat, II Vésp.
(46)
Festa aeptem dolorum B. Mariae Virg., Tractus.
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