AS EXCELÊNCIAS DA MORTIFICAÇÃO - POR SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO - PARTE I
I. DA MORTIFICAÇÃO EXTERNA
Necessidade da mortificação externa : a mortificação externa consiste em se fazer e sofrer o que contraria os sentidos exteriores e em se privar daquilo que os lisonjeia. Enquanto ela é necessária para evitapecade obrigação absoluta para cada cristão. Se se trata de coisas que licitamente se podem desfrutar, a mortificação não é obrigatória, mas é muito útil e meritória.Contudo, deve-se notar aqui que, para aqueles que tendem à perfeição, a mortificação nas coisas lícitas é absolutamente necessária. Como pobres filhos de adão, devemos lutar até a nossa morte, pois 'a carne deseja contra o espírito e o espírito contra a carne' (gál 5, 17). É próprio dos animais seguir os seus sentidos, enquanto que aos anjos compete cumprir a vontade de deus; disso conclui um ilustre escritor que nos tornamos anjos, esforçando-nos por cumprir com a vontade de § ii. Efeitos salutares da mortificação externa : a mortificação externa é de suma utilidade para o espírito: 1. Antes de tudo, ela nos desprende dos prazeres sensuais, que ferem e, até, muitas vezes, matam a alma. 'as chagas do amor divino impedem que as chagas da carne nos atormentem', diz orígenes.2. Pela mortificação expiamos os castigos temporais devidos a nossos pecados. Se depois de uma dolorosa confissão nos é tirada a culpa do pecado, não deixamos por isso de ficar sujeitos aos castigos temporais. Se não os expiarmos durante a vida presente, teremos de recuperar o que perdemos no purgatório. Mas aí os castigos são imensamente maiores. 'os que não fizeram penitência por seus pecados se verão em grandíssima tribulação' (apoc 2, 22). Santo antônio narra que o anjo da guarda deu a escolher a um doente entre o ficar três dias no purgatório e o
suportar ainda dois anos a sua doença. O doente escolheu os três dias de purgatório; apenas, porém, se escoara uma hora, e já se queixava ao anjo que, em vez de deixá-lo por alguns dias
nessas penas, já as suportava durante tantos anos. Então respondeu-lhe o anjo: que dizes? Teu corpo se acha ainda quente em teu leito mortuário e já falas de anos? Se, pois, tiveres de padecer alguma coisa, alma cristã, dize a ti mesma: isso me deve servir de purgatório. A alma, e não o corpo, deve sair vencedora! 3. A mortificação eleva a alma até deus. Segundo são francisco de sales, nunca a alma poderá chegar até deus sem a mortificação e sujeição da carne. Sobre esse ponto santa teresa d'ávila (fund., c. 5) nos deixou várias e belas sentenças: 'é um grande engano crer que deus admite a seu trato familiar homens efeminados'. 'vida voluptuosa e oração não se harmonizam'. 'almas que verdadeiramente amam a deus, não aspiram a descanso corporal'. 4. Pela mortificação alcançamos uma grande glória no céu. 'se os combatentes se privam de todas as coisas que minoram suas forças, diz o apóstolo (i cor 9, 25), e que poderiam impedi-los de alcançar uma coroa corruptível, quanto mais nos devemos nós mortificar para conseguirmos uma coroa inapreciável e eterna'. São joão viu todos os bem-aventurados com 'palmas nas mãos' (apoc 7, 9). [e a palma é o símbolo tradicional do martírio.] daí devemos concluir que todos nós, para nos salvar, devemos ser mártires, quer o sejamos pela espada dos tiranos ou pela mortificação. Devemos, entretanto, considerar que 'as penalidades da presente vida, não têm proporção alguma com a glória vindoura que se manifestará em nós'. O que aqui é para nós humana tribulação, momentânea e ligeira, produz em nós, de um modo maravilhoso no mais alto grau, um peso eterno de glória (2 cor 4, 17). Avivemos, portanto, nossa fé! Curta é a nossa peregrinação aqui na terra: nossa morada vindoura é além, onde aquele que na vida mais se mortificou receberá uma glória e alegria maior. São pedro (i ped 2, 5) diz que os bem-aventurados são as pedras vivas com as quais é edificada a jerusalém celeste. Mas, como canta a igreja (in dedic. Eccl.), essas pedras devem primeiramente ser trabalhadas com o cinzel da mortificação. Tenhamos sempre em vista esse pensamento e se nos tornará fácil todo o esforço e trabalho. Se alguém soubesse que ele receberia todos os terrenos que ele percorresse num dia, quão fácil e agradável não lhe pareceria o trabalho dessa caminhada! Conta-se que um monge planejava trocar sua cela com uma outra que se achava mais próxima da fonte d'água. Ao ir, porém, um dia, buscar água, ouviu que atrás de si contavam seus passos; virando-se para trás, viu um jovem que lhe disse: sou um anjo e conto teus passos, para que nenhum fique sem recompensa. Ouvindo isso, não pensou mais o monge em mudar de cela, pelo contrário, teria desejado até que estivesse ainda mais longe, para que pudesse adquirir mais merecimentos. 5. E não são só os bens da vida futura que os cristãos mortificados têm a esperar; eles já possuem nesta vida um bem sumamente precioso na paz e na felicidade que desfrutam na terra. Ou poderá talvez existir uma coisa mais agradável para uma alma que ama a deus do que o pensamento de que com sua mortificação faz coisa agradável a deus? Tais almas experimentam na privação de prazeres sensuais e até em seus padecimentos uma grande alegria, não sensual, mas espiritual. O amor não pode ficar ocioso: quem ama a deus não pode viver sem lhe dar contínuas provas de seu amor. Ora, não pode uma alma testemunhar melhor o seu amor para com deus do que renunciando por ele às alegrias deste mundo e sacrificando-lhe seus sofrimentos. Uma alma que ama a jesus cristo nem siquer sente quando se mortifica. 'se se ama não se sente nenhuma pena', diz santo agostinho (in jo trat. 48). Quem poderá, de fato, ver seu redentor coberto de chagas, afligido e perseguido, sem abraçar, a seu exemplo, os sofrimentos, e até desejá-los? Pergunta santa teresa (vida, c. 8). Por isso protestava são paulo que não aspirava a outra glória e outra alegria que à da cruz de jesus cristo: 'longe de mim o gloriar-me a não ser da cruz de nosso senhor jesus cristo' (gál 6, 14). Segundo o mesmo apóstolo, a diferença que existe entre os que amam a jesus cristo e os que não o amam, é que estes lisonjeiam a carne, enquanto aqueles cuidam em mortificá-la e crucificá-la (gál 5, 24). 6. Pensemos, finalmente, alma cristã, que nossa morte se aproxima depressa, e que muito pouco é o que fizemos para o céu. Procuremos, portanto, no futuro, mortificar-nos tanto quanto possível; não deixemos passar ocasião alguma de mortificação, conforme o conselho do espírito santo: 'não deixes passar uma partezinha do bem que te é concedido' (ecli 14, 14). Consideremos que cada ocasião de mortificação é um presente de deus, pelo qual podemos adquirir grandes merecimentos para a vida eterna; ponderemos que não nos será possível amanhã o que hoje podemos, visto que o tempo passado não volta mais. § iii. Prática da mortificação externa : aquelas penitências extraordinárias podem ser praticadas por poucos cristãos, chamados por deus para um tal modo de vida. Mas todos nós devemos manter o nosso corpo em rigoroso regime, porque somos pecadores. E, para isso, cada um de nós tem os meios. Podemos praticar a mortificação externa no uso de todos os nossos sentidos, em todas as nossos ações, em todos os passos e condições de nossa vida. Para isso, basta abraçar aquilo que é difícil à nossa natureza. Por exemplo, de manhã, levantar-se a uma hora fixa, entregando-se com pontualidade à oração; assistir o santo sacrifício da missa; renunciar a um prazer proibido ou a uma leitura perigosa; obedecer prontamente às ordens dos pais ou superiores; cumprir principalmente com fidelidade os deveres e os trabalhos cotidianos; suportar com paciência tribulações e sofrimentos: são, essas coisas todas, mortificações que, praticadas com pura intenção, são muito agradáveis a deus e mui meritórias para o céu. Falaremos aqui, alma cristã, de várias mortificações pequenas aque te podes sujeitar sem perigo para tua saúde e com sumo proveito para tua alma [SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO; ESCOLA DA PERFEIÇÃO CRISTÃ; COMPILAÇÃO DE TEXTOS DO SANTO DOUTOR, PELO PADRE SAINT-OMER, CSSR; EDITORA VOZES, IV EDIÇÃO, PETRÓPOLIS: 1955, PÁGINAS 233-243]
AS EXCELÊNCIAS DA MORTIFICAÇÃO - POR SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO PARTE II
1. MORTIFICAÇÃO DA VISTA : AS PRIMEIRAS SETAS QUE FEREM UMA ALMA CASTA E, ÀS VEZES, A MATAM, ENTRAM PELOS OLHOS. POR MEIO DOS OLHOS ENTRAM NO ESPÍRITO OS MAUS PENSAMENTOS. 'NÃO SE DESEJA O QUE NÃO SE VÊ', DIZ SÃO FRANCISCO DE SALES. NÃO LEIAS, POR ISSO, NUNCA, LIVROS PROIBIDOS OU PERIGOSOS. RENUNCIA, DE VEZ EM QUANDO, AO PRAZER DE VER COISAS EXTRAORDINÁRIAS, AINDA QUE SEJAM INTEIRAMENTE DECOROSAS. SEGUNDO SÃO JERÔNIMO (EP. AD FUR.), É O ROSTO O ESPELHO DA ALMA E OS OLHOS CASTOS DÃO TESTEMUNHO DA CASTIDADE DO CORAÇÃO.
2. MORTIFICAÇÃO DO OUVIDO : EVITA OUVIR CONVERSAS INCONVENIENTES OU DIFAMAÇÕES, E MESMO CONVERSAS MUNDANAS SEM NECESSIDADE, POIS ESTAS ENCHEM NOSSA CABEÇA COM UMA MULTIDÃO DE PENSAMENTOS E IMAGINAÇÕES QUE NOS DISTRAEM E PERTURBAM MAIS TARDE NAS NOSSAS ORAÇÕES E EXERCÍCIOS DE PIEDADE. SE ASSISTIRES A CONVERSAS INÚTEIS, PROCURA QUANTO POSSÍVEL DAR-LHES OUTRA DIREÇÃO, PROPONDO, POR EXEMPLO, UMA IMPORTANTE QUESTÃO. SE ISSO NÃO DER RESULTADO, PROCURA RETIRAR-TE OU, AO MENOS, CALA-TE E BAIXA OS OLHOS PARA MOSTRAR QUE NÃO ACHAS GOSTO EM TAIS CONVERSAS.
3. MORTIFICAÇÃO DO OLFATO : RENUNCIA A TODOS OS VÃOS PERFUMES, SEJAM QUAIS FOREM; SUPORTA, ANTES, DE BOA VONTADE, O MAU CHEIRO QUE REINA EM GERAL NOS QUARTOS DOS DOENTES. IMITA O EXEMPLO DOS SANTOS QUE, ANIMADOS PELO ESPÍRITO DE CARIDADE E MORTIFICAÇÃO, SENTIAM TANTO GOSTO NO AR CORROMPIDO DAS ENFERMARIAS, COMO SE ESTIVESSEM EM JARDINS DE FLORES ODORÍFERAS.
4. MORTIFICAÇÃO DO TATO : QUANTO AO TATO, ESFORÇA-TE POR EVITAR QUALQUER FALTA, POIS CADA FALTA NESTE SENTIDO CONTÊM UM PERIGO DE MORTE ETERNA PARA A ALMA. EMPREGA TODA MODÉSTIA E CUIDADO NÃO SÓ A RESPEITO DOS OUTRO, MAS TAMBÉM DE TI MESMO, PARA CONSERVAR A BELA JÓIA DA PUREZA. PROCURA, QUANTO POSSÍVEL, REFREAR PELA MORTIFICAÇÃO ESSE SENTIDO. SÃO JOÃO DA CRUZ DIZIA QUE, SE ALGUÉM ENSINASSE QUE A MORTIFICAÇÃO DO TATO NÃO É NECESSÁRIA, NÃO SE LHE DEVERIA DAR CRÉDITO, AINDA QUE OPERASSE MILAGRES. JESUS CRISTO MESMO DISSE UMA VEZ À MADRE MARIA DE JESUS, CARMELITA: 'O MUNDO PRECIPITOU-SE NO ABISMO POR CAUSA DO PRAZER, E NÃO DA MORTIFICAÇÃO'. SE NÃO TEMOS CORAGEM DE CRUCIFICAR A NOSSA CARNE COM PENITÊNCIAS, AO MENOS ESFORCEMO-NOS POR SUPORTAR COM PACIÊNCIA AS PEQUENAS CONTRARIEDADES QUE DEUS MESMO NOS ENVIA, COMO DOENÇAS, CALOR, FRIO, ETC. DIGAMOS COM SÃO BERNARDO (MEDIT., C. 15): 'O DESPREZADOR DE DEUS DEVE SER ESMAGADO; ELE MERECE A MORTE: DEVE SER CRUCIFICADO'. SIM, MEU DEUS, É JUSTO QUE QUEM VOS DESPREZOU SEJA CASTIGADO; EU MEREÇO A MORTE ETERNA; SEJA EU, POIS, CRUCIFICADO NESTE MUNDO, PARA QUE NÃO SOFRA ETERNAMENTE NO OUTRO.
Fonte:www.derradeirasgracas.com/
A Fuga das ocasiões de pecado:
um dos mais graves deveres da vida espiritual.
(SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO)
I. Da obrigação de evitar as ocasiões perigosas
Um sem número de cristãos se perde por não querer evitar as ocasiões de pecado. Quantas almas lá no inferno não se lastimam e queixam: Infeliz de mim! Se tivesse evitado aquela ocasião, não estaria agora condenado por toda a eternidade!
Falando aqui da ocasião de pecado, temos em vista a ocasião próxima, pois deve-se distinguir entre ocasiões próximas e remotas. Ocasião remota é a que se nos depara em toda a parte e que raramente arrasta o homem ao pecado. Ocasião próxima é a que, por sua natureza, regularmente induz ao pecado. Por exemplo, achar-se-ia em ocasião próxima um jovem que muitas vezes e sem necessidade se entretêm com pessoas levianas de outro sexo. Ocasião próxima para uma certa pessoa é também aquela que já a arrastou muitas vezes ao pecado. Algumas ocasiões consideradas em si não são próximas, mas tornam-se tais, contudo, para uma determinada pessoa que, achando-se em semelhantes circunstâncias, já caiu muitas vezes em pecado em razão de suas más inclinações e hábitos. Portanto, o perigo não é igual nem o mesmo para todos.
O Espírito Santo diz: “Quem ama o perigo nele perecerá” (Ecli 3, 27). Segundo S. Tomás, a razão disso é que Deus nos abandona no perigo quando a ele nos expomos deliberadamente ou dele não nos afastamos. São Bernardino de Sena diz que dentre todos os conselhos de Jesus Cristo, o mais importante e como que a base de toda a religião, é aquele pelo qual nos recomenda a fuga da ocasião de pecado.
Se fores, pois, tentado, e especialmente se te achares em ocasião próxima, acautela-te para não te deixares seduzir pelo tentador. O demônio deseja que se se entretenha com a tentação, porque então torna-se-lhe fácil a vitória. Deves, porém, fugir sem demora, invocar os santos nomes de Jesus e Maria, sem prestar atenção, nem sequer por um instante, ao inimigo que te tenta. S. Pedro nos afirma que o demônio rodeia cada alma para ver se a pode tragar: “Vosso adversário, o demônio, vos rodeia como um leão que ruge, procurando a quem devorar” (I Ped 5, 8). São Cipriano, explicando essas palavras, diz que o demônio espreita uma porta por onde possa entrar na alma; logo que se oferece uma ocasião perigosa, diz consigo mesmo: ‘eis a porta pela qual poderei entrar’, e imediatamente sugere a tentação. Se então a alma se mostrar indolente para fugir da tentação, cairá seguramente, em especial se se tratar de um pecado impuro. É a razão por que ao demônio mais desagradam os propósitos de fugirmos das ocasiões de pecado, que as promessas de nunca mais ofendermos a Deus, porque as ocasiões não evitadas tornam-se como uma faixa que nos venda os olhos para não vermos as verdades eternas, as ilustrações divinas e as promessas feitas a Deus.
Quem estiver, porém, enredado em pecado contra a castidade, deverá, para o futuro, evitar não só a ocasião próxima, mas também a remota, enquanto possível, porque em tal se sentirá muito fraco para resistir. Não nos deixemos enganar pelo pretexto da ocasião ser necessária, como dizem os teólogos, e que por isso não estamos obrigados a evitá-la, pois Jesus Cristo disse: “Se teu olho direito te escandaliza, arranca-o e lança-o de ti” (Mt 5, 29). Mesmo que seja teu olho direito deverás arrancá-lo e lançar fora de ti, para que não sejas condenado. Logo, deves fugir daquela ocasião, ainda que remota, já que, em razão de tua fraqueza, tornou-se ela uma ocasião próxima para ti.
Antes de tudo devemos estar convencidos que nós, revestidos de carne, não podemos por própria força guardar a castidade; só Deus, em Sua imensa bondade, nos poderá dar força para tanto.
É verdade que Deus atende a quem Lhe suplica, mas não poderá atender à oração daquele que conscientemente se expõe ao perigo e não o deixa, apesar de o conhecer, pois, como diz o Espírito Santo, quem ama o perigo perecerá nele.
Ó Deus, quantos cristãos existem que, apesar de levarem uma vida piedosa, caem finalmente e obstinam-se no pecado, só porque não querem evitar a ocasião próxima do pecado impuro. Por isso nos aconselha S. Paulo (Fil 2, 12): “Com temor e tremor operai a vossa salvação”. Quem não teme e ousa expor-se às ocasiões perigosas, principalmente quando se trata do pecado impuro, dificilmente se salvará.
II. De algumas ocasiões que devemos evitar cuidadosamente
Como queremos salvar nossa alma, é nosso dever fugir da ocasião do pecado. Principalmente devemos abster-nos de contemplar pessoas que nos suscitam maus pensamentos. “Pelos olhos entra a seta do amor impuro e fere a alma”, diz S. Bernardo (De modo bene viv., c. 23), e essa seta, ferindo-a, tira-lhe a vida. O Espírito Santo dá-nos o conselho: “Desviai vossos olhos de uma mulher adornada” (Ecli 9, 8).
Para se livrar de tentações impuras, um antigo filósofo arrancou os olhos. Nós, cristãos, não podemos assim proceder, mas devemos cegar-nos espiritualmente, desviando os olhos de objetos que possam ocasionar-nos tentações. São Luís Gonzaga nunca olhava para uma mulher e, mesmo em conversa com sua própria mãe, tinha os olhos postos no chão. É claro que o mesmo perigo existe para mulheres que cravam seus olhares em homens.
Em segundo lugar, deve-se evitar todas as más companhias e as conversas e entretenimentos em que se divertem homens e mulheres. Com os santos te santificarás e com os perversos te perverterás. Anda com os bons e tornar-te-ás bom, anda com os desonestos e tornar-te-ás desonesto.
O homem toma os hábitos daqueles que convivem com ele, diz São Tomás de Aquino. Se estiveres metido numa conversação perigosa, que não possas abandonar, segue o conselho do Espírito Santo: Cerca teus ouvidos de espinhos para que os pensamentos impuros dos outros não achem neles entrada. Quando São Bernardino de Sena, ainda pequeno, ouvia uma palavra desonesta, sentia o rubor subir à sua face, e por isso seus companheiros tomavam cuidado para não pronunciar tais palavras em sua presença. E Santo Estanislau Kostka sentia tal asco ao ouvir tais palavras, que perdia os sentidos.
Quando ouvires alguém conversando sobre coisas impuras, volta-lhe as costas e foge. Assim costumava proceder São Edmundo. Havendo uma vez abandonado seus companheiros por estarem conversando sobre coisas desonestas, encontrou-se com um jovem extraordinariamente belo, que lhe disse: Deus te abençoe, caríssimo. Ao que o Santo perguntou, admirado: Quem és tu? Ele respondeu: Olha para minha fronte e lerás meu nome. Edmundo levantou os olhos e leu: Jesus Nazareno, Rei dos Judeus. Com isso Nosso Senhor desapareceu e o Santo sentiu uma alegria celestial em seu coração.
Achando-te em companhia de rapazes que conversam sobre coisas desonestas e, não podendo retirar-te, não lhes dês atenção, volta-lhes o rosto e dá-lhes a conhecer que tais conversas te desagradam.
Deves também abster-te de considerar quadros menos decentes. São Carlos Borromeu proibiu a todos os pais de família conservarem tais quadros em suas casas. Deves igualmente evitar a leitura de maus livros, revistas e jornais, e não só dos que tratam ostensivamente de coisas imorais, como também dos que tratam de histórias insinuantes, como certos poetas e romancistas.
Vós, pais de famílias, proibi a vossos filhos a leitura de romances: estes causam muitas vezes maiores danos que os livros propriamente imorais, porque deixam nos corações dos jovens certas más impressões que lhes roubam a devoção e os induzem ao pecado. São Boaventura diz (De inst. nov., p. 1 , c. 14): “Leituras vãs produzem pensamentos vãos e destroem a devoção”. Dai a vossos filhos livros espirituais, como a história eclesiástica, ou vidas de santos e semelhantes.
Proibi a vossos filhos representar um papel qualquer em comédia inconveniente e mesmo a assistência a representações imorais. “Quem foi casto para o teatro, de lá volta manchado”, diz São Cipriano. Se para lá se dirigiu aquele jovem ou aquela donzela, em estado de graça, de lá voltam ambos em estado de pecado. Proibi também a vossos filhos a ida a certas festas, que são festas do demônio, nas quais há danças, namoros, canções impudicas, gracejos e divertimentos perigosos. Onde há danças, celebra-se uma festa do demônio, diz Santo Efrém.
Mas que há de ruim quando se graceja?, dirá alguém. Esses tais gracejos não são gracejos, mas crimes, responde São João Crisóstomo, são graves ofensas contra Deus. Um companheiro do padre João Vitellio, contra a vontade deste servo de Deus, se dirigiu uma vez para um tal divertimento em Nórcia. Que lhe aconteceu? Perdeu primeiramente a graça de Deus, entregou-se em seguida a uma vida desregrada e foi finalmente assassinado por seu próprio irmão.
Poderás aqui perguntar-me se é pecado mortal namorar. Responderei a essa pergunta na segunda parte, c. 6, § IV. Aqui só direi que tais namoros tornam-se ocasião próxima do pecado. A experiência ensina que em tais casos só poucos deixam de pecar. Se não pecam já no começo, caem no decorrer do tempo. No princípio se entretêm só por mútua inclinação; esta torna-se, porém, em breve, paixão, e a paixão, uma vez arraigada, cega o espírito e arrasta a muitos pecados de pensamentos, palavras e obras.
III. Fúteis objeções contra as sobreditas verdades
Objetar-me-ás: Mudei duma vez de vida; não tenho nenhuma má intenção, nem mesmo uma tentação quando vou visitar fulana ou sicrana. Respondo: Conta-se que há uma espécie de ursos que caçam macacos: ao avistar o urso, fogem estes para as árvores. Mas que faz o urso? Deita-se debaixo da árvore e faz-se de morto. Descem os macacos com esse engano e então, de um salto, captura-os e devora-os. É o que pratica o demônio: representa a tentação como morta, e assim que desceres, isto é, logo que te expuseres ao perigo, desperta-a de novo, e ela te tragará. Oh! Quantos cristãos, que se davam ao exercício da oração e da comunhão e, mesmo, levavam uma vida santa, não caíram nas garras do demônio, porque se expuseram ao perigo.
A história eclesiástica narra que uma mulher mui piedosa se ocupava em obras de caridade e, em especial, em enterrar os corpos dos Santos Mártires. Encontrando uma vez o corpo de um mártir que ainda dava sinais de vida, levou-o para sua casa, curou-o e o mártir restabeleceu-se. Mas que aconteceu? Por causa da ocasião próxima, esses dois santos – pois esse nome mereciam – primeiramente perderam a graça de Deus e depois a Fé.
Mas a visita àquela casa, a continuação daquela amizade, me traz proveitos, dizes. Sim, porém, se notares que “aquela casa é o caminho para o inferno” (Prov 7, 27), nenhum proveito te trará, e tu a deves deixar se desejas ser feliz. Mesmo que fosse teu olho direito a causa da perdição, deverias arrancá-lo e lançá-lo longe de ti, diz o Senhor. Nota as palavras: lança-o de ti, não deves deixá-lo perto, mas repeli-lo para longe, isto é, deves evitar por completo a ocasião. – Mas daquela pessoa nada tenho a temer, pois ela é tão devota – dizes. A isso responde São Francisco de Assis: O demônio tenta diferentemente os cristãos piedosos que se deram inteiramente a Deus e os que levam uma vida desregrada. Ele não procura prendê-los com uma corda já no princípio; contenta-se com um cabelo, servindo-se então de um fio e, finalmente, de uma corda, arrastando-os ao pecado.
Quem quiser ser preservado deste perigo deve já no começo evitar todos os fios, todas as ocasiões, quer sejam saudações, quer presentes.
Ainda uma observação importante: Um penitente que nunca evitou seriamente as ocasiões perigosas, nas quais tem regularmente caído em pecado mortal, apesar de todas as suas confissões, deverá fazer uma confissão geral, visto terem sido inválidas as confissões feitas em tal estado, em razão da falta de propósito de evitar a ocasião próxima. O mesmo se deve dizer a respeito dos que confessam seus pecados, mas nunca deram sinal de emenda, continuando logo depois da confissão a cometer os mesmos pecados, sem empregar nenhum meio contra a queda. Só uma confissão geral poderá trazer-lhes garantia e tranqüilidade, servindo de base para uma verdadeira emenda; feita a confissão, poderão encetar uma vida nova e perfeita, pois os maiores pecadores, como acima provamos, poderão, com a graça de Deus, alcançar a perfeição.”
(Santo Afonso Maria de Ligório, Escola da Perfeição Cristã, Compilação de textos do Santo Doutor pelo padre Saint-Omer, CSSR, IV Edição, Editora Vozes, Petrópolis: 1955, páginas 44-48)
Fonte: http://multimidiacatolica.blogspot.com/
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